o que nem sempre é dito, mas deveria ser

                Nos anos 70, quando morei em Londres, uma coisa me chamava muito a atenção. Lá não havia analfabetismo e era comum ver gente lendo jornal nos ônibus ou metrô. Mas, surpreendemente, poucas pessoas liam as notícias. A maioria comprava jornal para ver os anúncios de ofertas das grandes lojas! Também liam sobre esportes e, é claro, escândalos. Naquela época, boa parte da população brasileira ainda era analfabeta (os da minha geração devem se lembrar do Mobral) e eu e meus amigos acreditávamos que uma população alfabetizada seria bem-informada. Por isso, a visão das pessoas abrindo o jornal simplesmente para ver anúncios e bobagens me deixava pasma!

Hoje, mesmo com a web, verifico que é muito comum o efeito papagaio, com as pessoas repetindo qualquer baboseira e achando que dizem verdades profundas. Pelo menos é essa a sensação que tenho em relação ao que foi dito acerca de William Waack nos telegramas vazados pelo Wikileaks. Os relatórios da diplomacia dos EUA dizem que seus funcionários conversaram com Waack e contam quais as opiniões que ele expressou. Apenas isso!

As pessoas ignoram, e fazem questão de ignorar, que jornalistas e diplomatas são profissionais que precisam estar sempre bem-informados. E que, por isso, costumam conversar para trocar opiniões, algo que no jargão profissional é conhecido como “trocar figurinhas”. Um jornalista costuma trocar figurinhas com qualquer pessoa que possa ter alguma informação relevante, de diplomatas a bandidos – acredito que os diplomatas são mais seletivos, mas não tenho certeza – ; e isso constitui o que costuma ser chamado de “ossos do ofício”.

O fato de Waack ser âncora de um telejornal é irrelevante nisso. Aliás, quem leu os relatórios (disponíveis em cablesearch.org, basta digitar o nome do jornalista para ler os relatórios em que William Waack é citado) sabe que ele apenas expressou opiniões pessoais e informações banais, algumas que se provoram até equivocadas depois, como quando disse que Serra e Aécio haviam selado um acordo para formar uma chapa que teria o mineiro como vice. É bom observar que niguém acusou outro jornalista, Helio Gurovitz, da revista Época, de ser informante dos EUA, apesar de ele ser citado em um dos telegramas que fala sobre uma conversa com Waack.

Outro exemplo de bobagem reverberada pela web é a questão da doença de Lula e do SUS. O fato é muita gente apenas presta atenção no que sustenta suas opiniões. São muito poucas as pessoas capazes de dialogar, mesmo em tempos de web. Uma pena!

Comentários em: "O efeito papagaio na web" (1)

  1. Não porque simplesmente se abre um espaço democrático (dentro dele mas para conseguir entrar não é) que inevitavelmente os assuntos relacionados à política, sociedade, coisas plausíveis à uma democracia sejam debatidos com vigor necessário. Para isso acontecer se precisa formar internautas críticos e com interesse no coletivo, a formação intelectual que começa antes de entrar na Internet é o que conta. Eu entrei primeiro na internet mas logo procurei essa elevação intelectual para tentar debater no mesmo nível dos demais. Abraços.

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