o que nem sempre é dito, mas deveria ser

Nós e o resto

Há muitos anos, lembro de ter visto o press kit de um lançamento imobiliário de alto padrão na região do Morumbi. Entre as vantagens do empreendimento, destacava-se a proximidade com o Real Park, “um parque que, ao contrário de outros como o Ibirapuera, não é frequentado por todos os tipos de gente.” Não lembro se eram essas as palavras, mas era exatamente isso o que dizia o texto. Para quem não sabe, a região fica junto à marginal Pinheiros praticamente não tem acesso por meio de transporte público. Ou seja, vendiam ao comprador um conjunto com todos os equipamentos de lazer (sim, condomínio fechado com piscina e tudo o mais) e vizinhança com impossibilidade de acesso por gente de menor poder econômico. Creio que seria mais prático por uma muralha e um fosso em volta para que os compradores pudessem se sentir como autênticos senhores feudais.

Mas nos últimos anos a arquitetura paulista parece ter regredido no tempo. Em vez de oferecer aos habitantes de uma das maiores metrópoles do planeta mais oportunidades para usufruir do ambiente cosmopolita local, que permite a troca de experiências entre pessoas com os mais variados pontos de vista, prefere construir um fosso para evitar o contato com o resto do mundo. É a ideia de que a convivência só vale a pena com “nós” (entenda-se, a nossa família e a nossa turma) e o resto do mundo que se dane.Torna-se a maior tortura sair do feudo para ir trabalhar ou fazer compras porque há o “perigo” de se ter contato com o resto. Por isso, há quem prefira fazer supermercado por internet e montar seu home office.

É nesse contexto que os moradores de Higienópolis demandam que o metrô fique longe do bairro, para não dar chance ao resto do mundo de se aproximar. É é um bairro antigo, surgido muito antes da onda de condomínios fechados que hoje toma conta da região metropolitana de São Paulo. Seus moradores reclamaram quando se anunciou a construção do Shopping Higienópolis, hoje um dos mais luxuosos da cidade. Eles reclamam que a abertura do shopping trouxe muitos mendigos para as ruas do bairro.

O que está por trás é que eles querem fechar a rua, que é pública, para o seu uso exclusivo. E isso acontece em outros bairros de São Paulo. Acredito que essa não seja a elite tradicional paulista, mas sim aqueles “novos ricos”, que empreenderam uma escalada social (sabe-se lá por que meios) e hoje querem eliminar o contato com seus antigos pares na esperança de fechar a porteira da passagem de onde vieram.

Vale esclarecer que a mudança da estação do metrô para as proximidades do Pacaembu está correta, pois realmente a avenida Angélica fica muito próxima da estação Mackenzie. Creio que em menos de dez minutos se faz aquele percurso a pé.

Comentários em: "Nós e o resto" (2)

  1. gostei do seu blog. Obrigado por compartilhar seu ponto de vista conosco.

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